14.11.05

FIBDA 05 - CONVERSANDO COM AZARA
No segundo fim de semana do FIBDA, conversámos com Jo-El Azara, um dos nomes consagrados da bd Franco-belga, autor das aventuras de Taka-Takata. E apesar de a entrevista estar combinada apenas com Azara, tivemos a sorte de o autor se fazer acompanhar por Josette Baujot, sua companheira e colorista chefe dos estúdios de Hergé durante mais de 25 anos, que ajudou a transformar uma simples entrevista numa agradável conversa em torno da banda desenhada.


Josette Baujot e Jo-El Azara apanhados pela objectiva da Sílvia

Como é que começou a fazer banda desenhada?

Bom, comecei graças a esta senhora [aponta para Josette Baujot].

Mas, antes disso, comecei quando era muito pequeno; sempre tive vontade de desenhar e de contar histórias através da banda desenhada. O meu pai, que era flamengo, assinava um jornal diário que tinha uma banda desenhada de meia página, "Suske en Wiske", da autoria de Willy Vandersteen (em francês chamava-se "Bop et Bopette"). Eu lia essa meia página todos os dias, e tinha cada vez mais vontade de desenhar. E como não fazia grande coisa na escola [risos], os meus pais deixaram-me fazer um curso de desenho. Ao fim de dois anos, bati à porta do autor daquela página de bd e perguntei-lhe se não tinha trabalho para mim, durante as férias grandes. Ele disse que sim e esse foi o meu primeiro contacto com o 'ofício' e com a arte da banda desenhada. Depois das férias voltei à escola de desenho e, quando acabei o terceiro ano, bati à porta dos estúdios de Hergé e...foi ela quem me abriu a porta! [aponta para a sua companheira].

E Hergé aceitou a sua colaboração?
Sim, fiquei lá a trabalhar durante as férias grandes e, depois, durante mais sete anos.

Como é que foi essa experiência de trabalhar com alguém com o 'peso' e a importância de Hergé?
Foi fulcral para mim. Foi nos estúdios de Hergé que aprendi tudo, mesmo já tendo uma experiência anterior...

Josette Baujot - Aí aprendeu a fazer tudo desde o início: definir áreas na prancha, marcar as vinhetas, definir os enquadramentos, desenhar, passar a tinta, apagar os traços do lápis, aplicar as cores... Tudo!

Importa dizer que foi ali que aprendi também o francês...

Josette Baujot - ...que ele falava muito mal!

A sua língua materna é o flamengo?
Sim, e o francês, no início, era muito difícil para mim.

Taka-Takata, a personagem que o traz à Amadora, já tem quarenta anos... Acha que continua a ser uma personagem actual?
Sim, muito. O Taka-Takata não tem idade; eu tenho, mas ele não!

A imagem do soldado japonês, míope, pacifista...
Como eu, que também vejo muito mal e não gosto de guerra [risos].

Em que é que se inspirou para essa personagem?
Bom, Taka-Takata é um pacifista como eu, que fui obrigado a fazer o serviço militar e não gostei! E é japonês porque, na altura em que frequentava a escola de desenho, o nosso professor de História da Arte sugeriu-nos que víssemos uma série de pinturas e figuras japonesas clássicas e isso influenciou-me muito, mesmo sem nunca ter estado no Japão.

Essa imagem nasceu como uma forma de contrariar a ideia da guerra?
Sim, sem dúvida. O Taka-Takata começou a ser publicado exactamente vinte anos depois da bomba de Hiroshima, no jornal Tintim, e essa data foi, de algum modo, muito intencional...

Este ano saiu um álbum de homenagem a Taka-Takata (Óperation Boomerang, editado pela Azeko). Como é que nasceu a ideia?
Bom, uma série de amigos do mundo da bd quiseram comemorar os quarenta anos de Taka-Takata comigo e decidimos que fazer um volume colectivo era uma boa forma de comemoração.


Cenografia da exposição dedicada ao autor, no FIBDA 2005

O Azara participou em revistas e periódicos de bd tão clássicos e fundamentais como Tintim. Hoje a bd circula de outros modos, por vezes muito diferentes...
Sim, e é pena.

Sim? Porquê?
Bom, porque as revistas permitiam que um jovem desenhador, por exemplo, experimentasse o seu talento, e também que tivesse espaço e tempo para aprender mais e desenvolver as suas capacidades. Hoje em dia, um autor começa directamente em livro, e tem quarenta e quatro páginas para desenvolver uma ideia. Se as coisas correm mal...
E depois há a questão do mercado e do ofício. Nas revistas como Tintim, Pilote, e outras, os autores eram pagos à página; se depois de algum tempo surgia um álbum, havia também os direitos de autor, mas se não acontecesse nada, continuavam a ser pagos à pagina pelo seu trabalho. Sem esse espaço de garantia, como acontece hoje, é muito mais difícil que um jovem autor possa ganhar a sua vida trabalhando em banda desenhada.

Mas hoje há muitos fanzines que permitem uma circulação de autores e de projectos fora do circuito dos livros.
Sim, é verdade, e há projectos de fanzines verdadeiramente interessantes. Mas é um outro modo de trabalhar. As revistas e os jornais de banda desenhada funcionavam como uma autêntica escola de banda desenhada.

Josette Baujot - A transmissão do conhecimento entre autores mais velhos e mais novos funcionava muito bem quando as revistas eram o meio de publicação da bd por excelência. Se não há contacto entre as várias gerações, como às vezes acontece, é mais difícil...

Que projectos tem em preparação neste momento?
O próximo álbum de Taka-Takata, que sairá na nossa editora, a Azeko, e que será a novidade para Angoulême, que já se aproxima.

Esboços de Azara, expostos no FIBDA 2005

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