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Joann Sfar
O Principezinho Segundo a Obra de Saint-ÉxuperyEditorial Presença
Haverá poucos livros tão equívocos como
O Principezinho. Se por um lado conquista gerações de leitores desde a sua publicação, em 1943, permanecendo ainda hoje entre os livros mais vendidos, por outro, a sua recepção levanta algum clamor junto de leitores mais exigentes, que lhe denunciam uma certa lamechice e o apelidam de desfile de lugares-comuns associados à infância e à sua pretensa pureza, sobretudo quando decantada pela nostalgia do olhar adulto.
Ao criar uma banda desenhada a partir da obra de Saint-Éxupery, Joann Sfar enfrentou simultaneamente o risco de alguma pouca consideração relativamente à obra de origem e o das adaptações para banda desenhada (tantas vezes versões espúrias do original), e o resultado é louvável. Entendendo a ligação inequívoca que estabelece entre texto e imagem no livro de origem, que não pode ser lido sem a convocação de ambos os elementos, Sfar não cedeu à transposição linear do original e criou uma narrativa gráfica que não é simples transposição para outra linguagem, mas antes um processo de leitura, uma construção com fundações num elemento pré-existente que se desenvolve à medida que o pensamento se exerce sobre ele, concretizando uma outra obra.
Sfar não utiliza todos os episódios de
O Principezinho, nem recorre aos desenhos feitos por Saint-Éxupery (como a famosa imagem do pequeno príncipe em trajes reais, aqui ausente).
O Principezinho Segundo a Obra de Saint-Éxupery compõe um processo de leitura em que a linguagem da banda desenhada, com a estruturação de um desenho, de uma linha narrativa e de uma imbricada relação entre texto e imagem configura um caminho, uma aproximação possível, uma interpretação. E se isso é constatável ao longo do livro, torna-se evidente nas pranchas finais: onde Saint-Éxupery apresenta a paisagem do deserto com dois ou três traços e um parágrafo que encerra o livro, Sfar cria uma sequência de três pranchas onde regista a paisagem no seu regresso ao silêncio, depois de desaparecido o principezinho e de o piloto regressar à solidão, prolongando a sua leitura para lá dos limites formais da obra lida.
Sara Figueiredo Costa
(texto publicado no suplemento
Actual, do
Expresso, 14 Mar. 09)