5.12.05

RESISTENTES

Não é segredo para ninguém que o mercado editorial português de banda desenhada se resume, com algumas excepções que desejávamos mais frequentes, à Asa e à Devir. Mas de vez em quando aparecem novidades a lembrarem-nos de que há mais mundo e a afirmarem a sua resistência com uma teimosia de saudar. Recentemente, duas edições chegaram às livrarias: Metamorfina, de Miguel Mocho e João Sequeira (colecção Lx Comics, da Bedeteca de Lisboa) e Borda d'Água - O tempo das Papoilas, de Miguel Rocha (da Polvo).

Metamorfina, com um desenho pleno de volumetrias e profundidade, ataca uma história kafkiana com contornos de verdadeira paranóia, resultando num belíssimo ensaio sobre a violência e o modo como nos relacionamos com ela. A brutalidade das cenas é narrada com toda a naturalidade, mostrando-se como apenas mais um dos muitos elementos que compõem o quotidiano e provocando as reflexões que se impõem. A meticulosidade com que se vai descrevendo o horror do processo que nos é dado a ler (uma narrativa simples, com princípio e fim bem delimitados, ainda que circulares) não apresenta qualquer juízo de valor, conduzindo-nos ao confronto com a ideia central de que só há horror se o sujeito, neste caso o leitor, assim o decidir; pela parte do narrador, nada a declarar.



Com Borda d'Água - O tempo das Papoilas assistimos a um duplo acontecimento: a reedição de uma obra antiga (e penso que já esgotada) de Miguel Rocha e o regresso do autor à edição. Originalmente editado pela Bedeteca, em 1999, Borda d'Água é a narrativa de todas as descobertas, a do sexo a querer mais do que a fantasia sem corpo de todos os sonhos, e a da crueldade, sabendo confrontar os restos da infância com a imagem brutal da morte. Paisagens e temas que são recuperados em O Tempo das Papoilas, nova variação sobre a melodia incandescente de cada prancha do autor. E o preto e branco em nada atrapalha, provocando antes, sabendo obrigar a leitura ao registo incolor mas cheio de referências plásticas e sensoriais.
A Polvo soube escolher bem o seu regresso; só se lamenta o pouco cuidado na edição: a qualidade da impressão deixa muito a desejar, prejudicando profundamente a leitura e a apreensão do registo de um dos autores mais interessantes da bd contemporânea (e dispenso o 'portuguesa').

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