BLOCO DE NOTAS: Vencer os Medos
Já chegou às livrarias. Tem a assinatura de João Paulo Cotrim, no argumento, e de João Fazenda, Susa Monteiro, Maria João Worm, Pedro Burgos, Tiago Albuquerque, Miguel Rocha, Rui Lacas e Alex Gozblau no desenho. O ponto de partida, coisa raramente conhecida ou tornada pública em processos de criação dos quais podem, ou não, resultar livros, são os ‘Objectivos do Milénio’, a lista de compromissos que a ONU assumiu como prioridade até 2015.
Vencer os Medos – Objectivos do Milénio
VVAA
Assírio e Alvim, 2008
Afastando-nos das intenções positivas e impossíveis de não subscrever (mesmo que desconfiando da real vontade de compromisso dos governos dos países signatários...), e porque é de um livro que se trata, remetamo-nos ao trabalho que se publica. E duas vias parecem estabelecer-se para uma possível leitura. De um ponto de vista político, na acepção mais abrangente do termo, a iniciativa de convidar artistas, escritores e criadores em geral para trabalharem a partir de uma causa humanitária, divulgando determinada mensagem junto do público, pode proporcionar bons resultados ao nível da consciencialização para um determinado problema, ou não produzir resultado algum – não o saberemos lendo um livro. Mas de um ponto de vista, digamos, editorial, de leitura, de promoção de valores e promoção da leitura propriamente dita, uma iniciativa como esta pode ter outros resultados: quem chega a um livro como este pela procura de uma mensagem de carácter humanitário, pode bem vir a ter uma revelação relativamente aos registos gráficos e narrativos que aqui se mostram, descobrindo trabalhos e linguagens que não conhecia. Inverte-se, assim, o propósito de divulgação humanitário, e essa inversão não parece nada negativa.
Enfim, chegados às pequenas histórias que se entrecruzam para formar uma história maior, ao miolo propriamente dito deste volume de banda desenhada, algumas considerações se impõem. Apesar das fortes condicionantes de que partiu, João Paulo Cotrim e cada um dos autores que com ele trabalhou conseguiram afastar-se da linearidade do subtexto humanitário para construir uma narrativa. E mesmo que em alguns momentos o discurso narrativo se veja refém da necessidade de incluir determinado texto, remetendo de modo claro para os tópicos que motivaram os ‘Objectivos do Milénio’, a unidade do enredo e a pluralidade das vozes visuais que aqui se apresentam superam quase sempre aquilo que podia ser simplesmente uma história cheia de boas intenções, com a banda desenhada à boleia.
Se este é um trabalho marcado pela associação a uma mensagem que se quer transmitir, com tudo o que isso tem de condicionante relativamente à criação de um discurso autónomo e não espartilhado, também é um momento feliz de reunião dessa mensagem com a criatividade que a partir dela consegue extrapolar. E é, sobretudo, um momento privilegiado para apreciar em conjunto o trabalho de um dos mais relevantes argumentistas da banda desenhada portuguesa e alguns dos seus autores contemporâneos, com vozes próprias bem afirmadas e com visível capacidade de transcenderem a imposição de que partiram.
28.4.08
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