BLOCO DE NOTAS: POSTAIS DE VIAGEM, TERESA CÂMARA PESTANA
Postais de Viagem é o resultado de um longo processo de maturação, como explica Teresa Câmara Pestana no seu site. Em 1992, a estadia da autora na costa ocidental de África resultou num ensaio sobre o vodu. Dez anos depois, o texto foi reduzido e as imagens acrescentadas, surgindo agora um pequeno volume com o selo Gambuzine (para quem não se lembra do fanzine homónimo, espreite aqui).
O livro abre com uma apresentação da narrativa que constitui o seu núcleo, onde ficamos a saber que A.C., a personagem que depois acompanharemos, terá desaparecido algures no Togo. Uma caixa com vários objectos, entre eles o conjunto de postais ilustrados que constituirão o fio da narrativa, foi enviada por A.C. para a pessoa cuja voz narrativa aqui se ouve, permitindo-lhe compor este livro e deixar registadas as impressões e experiências que A.C. recolheu em África.
Seguem-se os postais propriamente ditos, formando a narrativa central; dois postais-vinhetas por página, cada um com uma legenda, à imagem de um postal manuscrito. É a leitura sequencial das imagens e das respectivas legendas que nos permite definir um fio narrativo, desde o regresso de A.C. ao Togo até à sua pacificação espiritual, proporcionada por um conjunto de fenómenos, encontros e revelações de que esta história é testemunha.
A ideia dos postais de viagem não se cumpre apenas no título e no meio narrativo; em termos formais, cada postal-vinheta cumpre as características de um postal ilustrado, contendo as suas fronteiras os elementos necessários para plasmar um determinado espaço, situação ou personagem, conferindo-lhe a função de ‘ilustrar’, no sentido etimológico do termo: iluminar, esclarecer, clarificar. Apesar disso, os postais de A.C. não são estáticos; através da sinuosidade dos traços (onde a influência de alguma arte africana é assumida), alternando a espessura em função do contraste de volumes e planos, há movimento, e através da repetição de espaços a partir de diferentes ângulos, há progressão no tempo, sobretudo nas imagens que pertencem a uma mesma sequência narrativa.
A história de A.C. permite acompanhar várias características da religião animista que é o vodu, sobretudo através das informações directas que vão desfilando pelas legendas. Mas essa intersecção da narrativa de A.C. e das características do vodu, feita de um modo mais literal do que subtilmente em harmonia com a narrativa, acaba por criar uma quebra na percepção destes Postais de Viagem, revelando-se o ensaio sobre vodu que lhes esteve na origem como uma herança mais pesada do que frutífera, na medida em que a busca de A.C. é quase submersa na infindável lista de hábitos, costumes e prática associados ao vodu.
A fechar o livro, nova intervenção da primeira voz narrativa, explicando o destino de A.C., e um novo conjunto de postais, de tom algo elegíaco e muito centrado numa certa visão ‘primeiro-mundista’ sobre o Terceiro Mundo, dando A.C. como integrada na sua nova comunidade e decidida a não regressar.
Apesar de algumas fórmulas menos conseguidas na estruturação da narrativa, importa ler estes Postais de Viagem atentando na exploração da sua estrutura e nos artifícios narrativos invocados para a desenvolver. Aí, creio, reside o foco mais interessante e produtivo do projecto, bem como um motivo seguro para continuar a acompanhar o trabalho de uma autora pouco divulgada fora do pequeno meio a que chamam ‘bedéfilo’ (ou ‘bedófilo’, conforme as sensibilidades).
* Como é pouco provável que o livro se encontre pelas livrarias da praça – pouco dadas a edições de autor sem grande eco na imprensa – os interessados podem encomendá-lo através da morada: Teresa Câmara Pestana - Apartado 67, 3200-Lousã
8.1.08
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