BLOCO DE NOTAS: VENHAM +5, Nº4
Chegado à quarta edição, o Venham + 5 parece estar a conseguir cumprir o objectivo da publicação de dois números por ano (o número anterior foi publicado no âmbito do IIIº Festival Internacional de BD de Beja, em Maio). Mas mais do que isso, o fanzine que nasceu dos trabalhos do colectivo Toupeira, de Beja, tem vindo a afirmar-se de modo seguro como suporte de divulgação do trabalho que vai sendo desenvolvido em Beja e arredores e das relações que esse trabalho vai estabelecendo com outros projectos, muitas vezes de autores relacionados com Beja (sobretudo através do Festival, que esperamos ver continuar por muitos anos com a qualidade e a ponderação de escolhas e programações que o têm vindo a definir).
Os trabalhos publicados neste número 4 são desiguais em termos de interesse, esforço de composição das narrativas e concretização, tal como tem sido característica dos números anteriores. E se isso seria condenável numa publicação com outro tipo de linha editorial, nesta não parece ser senão o resultado das várias vertentes em que se originam os trabalhos publicados: por um lado, o resultado de um processo de aprendizagem ainda marcado por algum amadorismo (e não se veja a palavra como insulto, mas antes como a constatação de estarmos perante um processo de evolução ainda com muitos passos para dar, mas seguramente capaz de os dar), por outro lado, a consequência dos contactos que vão sendo feitos a partir do dinamismo da Bedeteca e do seu Festival, e que remetem para autores com trabalhos mais ponderados e com linguagens mais amadurecidas. Esse convívio, ainda que resulte numa leitura heterogénea e de interesse desequilibrado, acaba por ser parte importante da identidade e da vocação do Venham +5, oferecendo à leitura o produto de diferentes abordagens e graus de maturidade no compromisso com a construção de uma marca autoral e de um caminho próprios.
Entre os autores que colaboram neste número encontram-se Alain Corbel, em estreia no Venham + 5, abrindo o volume com “A Roça”, que tínhamos encontrado há poucas semanas na revista norte-americana Gamut (de que aqui se falará em breve), Paulo Monteiro, com “O Enforcado”, pequeno exercício em torno de uma elegia sobre o amor, a memória e a morte, Carlos Apolo com uma adaptação de “O Sr. Valery” (de Gonçalo M. Tavares), um trabalho que explora ao pé da letra o texto original, conferindo-lhe propostas de visualização onde o jogo dos pontos de vista é fundamental, e Susa Monteiro com “Adeus Tristeza”, quatro pranchas que ganhariam com um trabalho de argumento mais apurado, mas onde o traço imediatamente identicável da autora se mostra com a sua força habitual, marcado pelos intensos jogos de luz e sombra e pela evocação de metáforas visuais que conferem ao conjunto uma densidade muito próxima do táctil (importa dizer que esta história esteve a concurso no XVII FIBDA, tendo sido olimpicamente ignorada pela maioria do júri, o que levanta algumas questões interessantes sobre o modo como estas coisas se processam e o grau de ‘apuramento crítico’ desejável para que acontecessem de outra forma).
Um último destaque de entre as várias colaborações deste Venham +5: Kike Benloch publica “Onde as Carpas”, registo de contornos diarísticos de uma viagem recente ao Japão. Para além da anotação de algumas descobertas, informações sobre o que vai vendo e os sítios por onde passa, a história de Benloch é um convite à reflexão sobre os clichés e o modo como nos relacionamos com eles nesse estado particular da existência que são as viagens. Ironizando sobre as ideias feitas que se transportam na mala de viagens, Benlloch desenha uma sequência de vinhetas intitulada ‘As seis cousas inúteis sobre Japom que non podes viver sem saber’ que representa de modo claro o programa de intenções assumido nesta história: não se trata de nenhuma dissertação profunda sobre os tais clichés de viagem, ou de uma crítica alicerçada em teses multiculturalistas ou universalistas... os clichés existem e são uma espécie de fardo inevitável quando se viaja, especialmente se o destino é invulgar na lista de destinos habituais do viajante, e/ou se o acto de viajar nem sempre é possível com a frequência desejada. Assumida a inevitabilidade, resta manter a consciência alerta para que os tais clichés não impeçam o acto de ver na sua plenitude, nem a possibilidade de uma relação crítica com o que se vê. A ironia (e a auto-ironia) surge, assim, como mecanismo de filtragem por excelência, permitindo o registo das experiências tidas, clichés incluídos, sem culpas intelectuais de espécie alguma: os japoneses fazem ‘mascotes fofinhas’ a partir de qualquer objecto e a comida japonesa é mais esquisita do que os restaurantes ocidentais de sushi nos querem fazer crer. Pouco importa se isto é ‘verdade’; incluí-se na experiência documentada neste “Onde as Carpas” e faz parte das impressões experimentadas e registadas pelo narrador, compondo uma reflexão sobre a experiência da viagem a partir de um ponto de vista muito pessoal.
O Venham +5 é uma edição da Bedeteca de Beja e da Câmara Municipal de Beja.
Contactos: Casa da Cultura – Rua Luís de Camões, 7800-508 Beja. 284313310. bedetecadebeja@yahoo.com
26.11.07
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