26.4.04

REVOLUÇÕES
30 anos depois da Revolução dos Cravos, desci a Avenida da Liberdade com a esperança de que alguns dos valores de Abril, ainda por cumprir, cheguem a ser uma realidade. Vou lutando por isso… Entre a ‘Grândola’ e o calor abrasador reencontrei, como todos os anos, muit@s velh@s amig@s, vári@s companheir@s de lutas diversas, nov@s amig@s à espera que o tempo erga mais palavras e outros sonhos. Estavam lá tod@s a comemorar o dia mais feliz da nossa história, até da história de quem não o viveu, entre palmas, palavras de ordem e músicas que continuam a fazer-me estremecer de esperança e também de alegria.
Quase no fim da avenida, um outro estremecimento: a notícia da morte de um professor da escola secundária onde andei. Chamava-se António Nunes e eu lembro-me bem de trocar com ele algumas ideias sobre as revoluções que naquela altura eu pensava poder criar só pela força de tanto as querer. Pertencia àquele grupo de professores que, entre o Conselho Directivo e a ‘ala interessante’ da sala de professores, ajudava a dinamizar actividades, a estimular debates, a deixar crescer a ideia de que é bom duvidar, pensar, questionar, sonhar. Nunca foi meu professor e, apesar disso, guardo dele a imagem que se guarda de um professor que não se esquece. É uma das pessoas que recordo quando me lembro desses três anos agitados e tão produtivos na Ferreira Dias, entre a Associação de Estudantes, a descoberta dos textos medievais e o sonho de mudar um mundo que me deixava demasiado triste para ficar de braços cruzados. Hoje mantenho intocável o mesmo sonho e a mesma vontade de o concretizar, mas já não o revelo em voz alta as vezes suficientes… algumas decepções e vários embates mais tarde, passei a saber guardar silêncio. Mas não a calar-me, que são coisas bem diferentes! As convicções que mantenho até hoje, uma boa parte dos valores que cultivo e quase tudo o que sei sobre trabalho em equipa, iniciativas várias e intervenção no mundo que nos rodeia aprendi ali. Comigo, com os outros colegas e com alguns professores que, como o Professor António Nunes, acreditavam que a escola é muito mais do que o lugar onde se estudam as matérias curriculares. Por ali ensinava-se e aprendia-se, em troca mútua e constante, a pensar, a debater e a viver a cidadania que faz, também, parte dos tais ‘valores de abril’ com que comecei este post. Nessa altura eu era a ‘Sara da bóina’ e, por entre as pessoas com quem trabalhei, discuti e aprendi muitas coisas que ajudaram a formar-me, estava o Professor António Nunes. Partiu ontem, 30 anos depois da revolução que me serviu de exemplos vários quando despertei para a intervenção social. Partiu ontem e eu, que nem sequer fui sua aluna, senti-me hoje muito velha… como se tivesse percebido que as pessoas todas com quem convivi naqueles três anos não são só o meu passado, embora façam parte dele; não ficaram paradas por entre os meus sonhos, não puderam estagnar a inevitável contagem dos dias de que se faz, também, o meu presente. 30 anos depois da Revolução dos Cravos o Professor António Nunes partiu. Eu deixo aqui estas palavras em jeito de homenagem a um homem de quem certamente não me vou esquecer.
A bd e a ilustração seguem dentro de momentos.

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