LOUSTAL
Esta foi uma das aquisições permitidas pelos saldos, fenómeno que, felizmente, já se instalou para além das lojas de roupa (os livros escusavam era de ser colocados ao monte, atirados uns para cima dos outros como se de calças de ganga se tratassem… mas enfim, não quero voltar a repetir estas mágoas livrescas tantas vezes aqui carpidas).
Em Viviane, Simone et les autres, Loustal expõe uma certa decadência associada ao mundo do cinema e dos seus apreciadores, deixando claro que as histórias mais capazes de nos fazerem imaginar outras histórias, vidas inteiras, podem criar-se a partir da desilusão, da frieza de todos os percursos sem sonhos ou com os sonhos feitos em cacos. “Cheap Heroes”, a primeira de duas histórias, é apenas um desfile de personagens que se equilibram entre os falhados conscientes e os falhados que se julgam heróis. A aparente inexistência de uma narrativa é vencida pelas infinitas possibilidades de estabelecer laços entre a história de cada uma das personagens, todas unidas pela falência de qualquer futuro passível de lhes mudar a vida. Nesta espécie de galeria de polaroids, Loustal revela a sua já conhecida capacidade de criar densidade narrativa apenas a partir da criação dos personagens.
Na segunda história, “Les Cafards”, a paranóia assume-se como desencadeadora desse futuro garantidamente decadente que marca os personagens de todo o livro. Aliás, o futuro (ou o no future, termo relativamente apropriado neste caso) é traçado logo desde o título pelo seu sentido múltiplo: cafard- ‘barata’ (o insecto que tanto transtorna Rémi), mas também ‘hipócrita’ e, acima de tudo, ‘desânimo’, esse esmorecimento que Loustal transforma em kitsch glamouroso num livro irresistível.
Edição da Futoropolis, Paris, 1985
17.9.03
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