19.10.03

ENTREVISTA COM MAURÍCIO DE SOUSA
Maurício de Sousa dispensa grandes apresentações. A diversidade geracional que, hoje à tarde, se verificava na longa fila para os autógrafos é prova disso e do enorme fascínio que a Turma da Mónica continua a exercer sobre os leitores de todas as idades.
Nascido numa família onde as mulheres sempre tiveram um papel preponderante, Maurício fala das suas personagens femininas com um carinho visivelmente especial. E sendo a ‘Mulher’ o tema central do FIBDA deste ano, quem melhor do que a Mónica, com a sua personalidade forte e marcante, para assumir papel de destaque na galeria de personagens femininas da BD?
Maurício recebeu-nos com enorme simpatia e com toda a disponibilidade para conversar e responder às nossas perguntas. Falou do seu trabalho com a paixão de um criador dedicado, apresentou novos projectos e garantiu, para sossego geral dos seus leitores fiéis, que a Turma da Mónica terá continuidade assegurada com o trabalho da sua filha Marina, sucessora de Maurício e já com bastante prática no trabalho de fazer nascer histórias com a galeria de personagens da Turma.

A entrevista que Maurício nos concedeu foi partilhada com um repórter da universohq (que simpaticamente nos cedeu as pilhas da máquina fotográfica quando o nosso gravador começou a dar sinais de cansaço… Obrigada, Hugo!). Assim, algumas perguntas acabaram por ser comuns (para evitar repetições desnecessárias) e outras, colocadas pelo Hugo, geraram, obviamente, mais linhas de diálogo para além das que nós fomos apresentando. Colocaremos em itálico alguns apontamentos sobre as respostas dadas ao universohq, remetendo os nossos leitores para a entrevista que estará algures aqui.





Como é continuar a conviver com os mesmos personagens ao fim de tantos anos?
Como os meus personagens são inspirados nos meus filhos e a gente não se farta dos filhos, em princípio (risos), eu não me canso. Além disso, há um lado muito grande de humanidade nestes personagens e uma felicidade constante...


Então a Mónica é inspirada na sua filha?
Sim, a Mónica na realidade é a minha filha. Como a Magali é minha filha. Fui agarrando em algumas características da personalidade e até características estéticas dos meus filhos, e de alguns amigos deles, e fui criando as personagens. O Cascão, por exemplo, era um menino que brincava ali perto de nossa casa. E agora vão surgir personagens novas, como Vanda e Valéria ( que serão lançadas brevemente) ou Marcelinho, inspirado no meu filho de cinco anos que já nasceu politicamente correcto e é tão certinho e tão ‘patrulheiro’ que não dá para acreditar! Ele brinca e depois arruma os brinquedos, lava as mãos antes de comer, apaga a luz quando sai do quarto…ele já nasceu assim, certinho, e às vezes é mesmo difícil de aguentar (risos). Como eu tenho dez filhos, sempre tem personagens para serem lançados!


É o Maurício que desenha todas as histórias ou tem uma equipa a colaborar consigo?
No início da minha carreira era eu que fazia todo o trabalho sozinho. Mas hoje tenho uma equipa, e eles trabalham tão bem que eu só preciso de dar algumas orientações. O resto praticamente já não preciso de ver. E se houver alguma falha, alguma coisa errada, eu vejo na versão publicada e aviso logo o responsável.


E os argumentos?
Os roteiros a mesma coisa. Hoje em dia já são feitos por uma equipa. Mas é a única parte que passa sempre pela minha mão. Todos os dias examino os roteiros para dar algumas orientações. Mesmo que eu esteja em Lisboa, ou em Tóquio, recebo-os no computador e vou vendo e alterando ou sugerindo o que é necessário.


Respondendo à pergunta do Hugo, da universohq, sobre o modo como as pessoas chegam a desenhadores ou argumentistas de Maurício, o autor explica que aceita ver o trabalho de quem quer que chegue ao estúdio com esse objectivo. Depois, se achar que o trabalho é válido ou tem potencial, Maurício dedica-se a fazer alguns comentários e a sugerir o aperfeiçoamento em determinada(s) área(s). Mais tarde volta a ver o trabalho, para verificar se houve evolução, e repete este processo cinco ou seis vezes, durante um período que pode chegar aos dois anos. Se o trabalho final estiver à altura, então a pessoa é contratada e fica a trabalhar com Maurício e a sua equipa.


Qual é a sua personagem favorita?
É sempre aquela que estou a desenhar, porque consigo sentir-me na pele das minhas personagens. Acho que todos os autores, no momento em que estão a fazer uma personagem, eles são essa personagem. Mas talvez as personagens animais… Porque quando estou a desenhar a Mónica, eu posso ser a Mónica, uma menininha, mas não posso ir além da Mónica, não posso ser o adulto para além da Mónica. Quando desenho o Cebolinha, a mesma coisa. Mas quando desenho o Horácio, ou o Jotalhão, ou o Bidu, posso ir além das simples características animais porque posso fabular. E isso permite-me ir mais longe e colocar, talvez, algumas características e preocupações minhas. Talvez o Horácio seja realmente a personagem onde falo mais de mim próprio.



Uma das imagens de marca das suas histórias é o facto de, às vezes, aparecer nelas, um pouco como Hitchcock nalguns filmes.
Isso não fui eu que criei… Quando era apenas eu a desenhar as minhas histórias, o Maurício nunca aparecia. Isso até seria quase um culto da personalidade… Mas começou a acontecer a partir do momento em que passei a ter uma equipa a desenhar para mim e eles acharam muito ‘gira’ a ideia de me colocar nas histórias. Então eu deixei passar e agora isso acontece às vezes, principalmente em histórias que pretendem ajudar a esclarecer como é que funciona o estúdio, como é o trabalho do Maurício e dos seus auxiliares.


O seu trabalho revela, muitas vezes, uma certa preocupação social, nomeadamente com as questões do ambiente, mas não só. Pensa que a BD pode ajudar a consciencializar as pessoas para os problemas, nomeadamente o público mais jovem?
Sim, penso que sim. Desde que seja de modo suave. Principalmente porque esse tipo de histórias que nós fazemos são concebidas para serem momentos de lazer, e descontracção. Na altura da guerra havia uma personagem nos Estados Unidos chamado Ferdinando (Li’l abner), criado por Al Capp, que saía todos os dias em mais de dois mil jornais. Nessa altura, todos os personagens de BD americanos participavam de algum modo, nas suas histórias, no esforço nacional de guerra. Menos o Ferdinando, que continuava a viver as suas aventuras lá na cidadezinha de onde era. E outros autores perguntavam a Al Capp qual era a ideia dele; porque é que Ferdinando não participava no esforço de guerra, porque é que não se ‘açistava’. E Al Capp explicava que os soldados que estavam na guerra, no meio das bombas e dos tiroteios, estavam habituados a ler as histórias daquela maneira. Se ele entrasse na guerra seria uma espécie de perda de uma referência muito importante…
A Turma da Mónica não é alienada. Ela tem, aliás, uma preocupação muito grande, por exemplo, com a ecologia… Mas as histórias são um momento de ‘relax’. E se vamos passar alguma coisa, alguma mensagem, que seja de modo suave, como a gente passa para os nossos filhos. A gente não passa nada de muito cru para os nossos filhos, mas vamos passando todas as informações de modo suave para que eles possam ir adquirindo esse conhecimento e para que, quando crescerem, aí sim possam ter o retrato fiel da realidade.


Dialogando também com o universohq, Maurício falou de projectos como o da Cartilha da Fome Zero, que será lançada brevemente, e que se destina principalmente às famílias. Falou também de alguns projectos de alfabetização e de formas de levar a cultura e os livros até zonas mais isoladas do Brasil (é o que está a acontecer com as Bibliotecas Itinerantes, um projecto que ganha novos adeptos a cada dia que passa e de que Maurício fala com um entusiasmo visível).
Para além disso, ficámos a saber que os desenhos animados da Turma da Mónica passarão em breve numa televisão portuguesa, estando Maurício a tentar implementar outros projectos em Portugal, de modo a conseguir estabelecer a ponte com a Europa.





NOTA: As fotografias foram recolhidas na internet.

Sem comentários: