3.11.05

FIBDA 05 - À CONVERSA COM MAX
No sábado passado conversámos com Max, um dos autores presentes no último fim-de-semana do FIBDA. Max revelou-se um conversador nato...sempre que o gravador estava desligado! A partir do momento em que a entrevista começou a sério, alguma timidez tomou conta do autor de Gustavo que nem sequer se apercebeu que a Sílvia já tinha tirado meia dúzia de fotografias. Ainda assim, a conversa foi muito interessante. Aqui fica:



A inevitável pergunta clássica... Como começaste a fazer bd?
Comecei com 17 anos, porque conhecia um grupo de gente que já fazia... Sempre li banda desenhada, principalmente espanhola e europeia (Tintim, Astérix, etc) e gostava muito, mas quando descobri o trabalho do Robert Crumb percebi que a bd também podia servir para falar da realidade. E assim começou tudo.

Foi aí que nasceu o Gustavo?
Um bocadinho depois. Nessa altura estive uns quatro ou cinco anos a trabalhar para fanzines e revistas de pouca circulação, a experimentar coisas novas. O Gustavo aparece no fim deste período, na mesma altura em que começou a ser publicado na revista El Víbora (em 1979).

Que ideia tinhas em mente quando criaste o Gustavo?
Queria um personagem que reflectisse a realidade do mundo que me rodeava naquele momento: hippies, anarquistas, gente politizada que queria fazer coisas...

O mundo, o teu mundo, mudou muito, desde essa altura?
Sim, e acho que para pior. Não é que nessa altura fosse maravilhoso, mas com o fim recente da ditadura espanhola havia muita esperança, muitas ilusões... Hoje não.

Como era o movimento underground da banda desenhada catalã?
Primeiro que tudo, era muito divertido, e com muita vontade de comunicar, de fazer coisas. Muitos de nós vínhamos de Belas Artes e queríamos pintar, mas percebemos que o potencial da banda desenhada era muito maior que o da pintura. Nós queríamos contar histórias, e a bd era o meio perfeito para isso. De resto, foi uma época muito boa...

E as outras pessoas que participavam nesse movimento, continuam a fazer bd?
Quase ninguém continua. De facto, parece-me que eu sou o único sobrevivente (risos), pelo menos o único que faz bd com regularidade.

A revista Nosotros Somos Los Muertos, já dos anos noventa, é uma espécie de regresso ao sonho do undergroud dessa altura?
Sim, mas um regresso muito mais inteligente, sem tanta espontaneidade, mas com muito mais reflexão. Nosotros Somos Los Muertos é uma tentativa de criar um espaço autónomo para a banda desenhada de autor numa altura em que, em Espanha, esse espaço não existia. Inspirámo-nos um pouco em L?Association, de França, e a ideia era criar uma espécie de cooperativa de desenhadores... Inicialmente o processo foi um bocado acidentado, principalmente porque Pere Joan e eu estávamos em Maiorca, longe dos desenhadores de pontos tão produtivos como Madrid, e às vezes era complicado juntarmo-nos para discutirmos as edições. Mas agora as coisas estão a correr bem, melhor do que nunca!

Fala-nos um pouco de El Prolongado Sueño del Señor T, de que podemos ver uma pequena amostra aqui no FIBDA.
Nessa altura interessou-me reflectir sobre o interior do ser humano; tinha lido coisas de Jung e estava muito influenciado por isso... Eu sempre fiz banda desenhada sobre assuntos e situações que têm alguma coisa a ver comigo e nessa altura esava quase, quase na crise dos quarenta anos (risos) e fazia muitas perguntas sobre mim mesmo. A ideia de El Prolongado Sueño del Señor T. É mesmo essa, tentarmos entender-nos a nós próprios. A ideia da cama de hospital é apenas um pretexto para o argumento que queria desenvolver...


(uma das pranchas expostas no Festival)

Os sonhos são um material importante para o teu trabalho?
Sim, muito. Embora eu sonhe como toda a gente e nem sequer me costume lembrar do que sonhei... Mas há alguns sonhos especiais que ficaram gravados. Nesse livro há sonhos que são, de facto, sonhos reais, que eu tive; outros não.

E Peter Pank, que também já esteve exposto aqui na Amadora, há uns anos... Peter Punk é uma visão actualizada, adaptada a novos tempos, de Gustavo?
Sim, pode dizer-se que sim. Eu deixei de desenhar o Gustavo porque me sentia incómodo. O Gustavo converteu-se num ícone do movimento ecológico e libertário da Catalunha, aparecia em cartazes de manifestações, em pixagens pelas paredes, e isso fazia-me sentir desconfortável, pelo que decidi acabar com o Gustavo. Depois disso estive dois anos a fazer histórias curtas no âmbito do fantástico e depois decidi encontrar outra personagem, não necessariamente tão identificado comigo como o era Gustavo. E se o Gustavo ia buscar todas as características a mim mesmo, Peter Punk já só tem uma pequena parte de mim; o resto é muito mais distante.



Para além da banda desenhada, também fazes ilustração editorial e infantil. Como lidas com esse trabalho?
Bem, é como um trabalho paralelo, mas igualmente importante, que permite variar as abordagens e os desafios.

É um desafio desenhar para crianças?
Sim, sim! E ao princípio era pior, porque não sabia como fazer... Mas eu gosto de desafios, para não ter de estar sempre a fazer a mesma coisa. E o trabalho da ilustração infantil é um desafio muito bom.

Voltemos ao underground, para acabar... Nos anos oitenta havia alguma espécie de contacto entre os colectivos de bd catalães e os portugueses? E agora, com a facilidade da internet e dos e-mails?
Não, nenhum. E agora também não. Eu conheço algumas coisas que se fazem por cá, alguns autores, mas poucos. Parece que sempre foi assim, de costas voltadas... E é estranho e absurdo que assim seja, mas acabamos sempre por não fazer muita coisa para mudar isso. E devíamos.

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