22.6.04

ESPAÇO CRÍTICO
O David Soares teve a simpatia de nos enviar um exemplar do seu último livro há já um mês e desde essa altura que ando a prometer escrever umas linhas sobre ele... Parece que é desta.



Sobre BD, editado pela Círculo de Abuso, reúne um conjunto de textos sobre diferentes bandas desenhadas, em tom de análise e reflexão a partir de pormenores e leituras que se vão esboçando como caminhos a percorrer. Maus, Saga of the Swamp Thing, Vincent e Van Gogh, Arkham Asylum e Uzumaki são as obras analisadas e para cada uma delas, David Soares traça uma espécie de teia de referências e possíveis influências, para além de apresentar a sua leitura pessoal. Mas é a teia de referências e influências que predomina, num exercício analítico que procura encontrar em outras artes, com predomínio acentuado para a literatura, arquétipos e tópicos que se relacionem com as bd?s abordadas. E se esse trabalho tem o interesse de estabelecer relações, e portanto diálogos, com outras formas de expressão, com temas ou cenas comuns às obras analisadas, torna-se por vezes cansativo devido à imensidão de referências que David Soares apresenta, numa enchente que ilustra as várias componentes do seu universo mas que não beneficia um livro que se quer de reflexão. E isto por dois motivos. O primeiro, de ordem textual: porque o exagero de referências (que vão de obras literárias a filmes de culto, passando por citações de livros sobre ciências ocultas, misticismo, rituais ou psiquiatria) afoga a eventual linha de reflexão que se
ensaia no início de cada texto, abandonando a sua função estruturante em favor da pluralidade de citações. O segundo, de ordem analítica: um leitor atento (de livros, mas também de quadros, filmes e outras manifestações artísticas) tem, necessariamente, uma bagagem de referências múltiplas e perfeitamente pessoais, embora partilháveis, de que se socorre quando se depara com um livro pela primeira vez, ou quando se depara com um livro que pretende analisar. Ou seja, as referências que David Soares apresenta não são as únicas possíveis, nem sequer as mais esperadas, perante as obras analisadas. São, por outro lado, as
suas referências, as que se arrumam na sua ?bagagem? de leitor atento. Ou seja, se por um lado é interessante conhecermos as ligações que David Soares estabelece entre as obras que analisa e a sua ?bagagem? de leitor, por outro lado essas ligações tornam-se cansativas por se apresentarem, muitas vezes, em catadupa, fazendo perder o lado de reflexão que poderia ter sido mais trabalhado. Principalmente porque a etiqueta ?Ensaio? que se lê na capa perde alguma coisa com esta estratégia analítica. Abandonando as minhas embirrações estruturais (motivadas talvez por um convívio pouco salutar com o meio académico, onde estas coisas de ?Ensaio?, ?Análise? e ?Crítica? se assumem como objectos diferenciados, com regras e motivadores de discussões de vida ou morte), quero dizer que este Sobre BD traz algo de novo ao panorama bedéfilo português como, aliás, João Miguel Lameiras refere no prefácio. E esse ?algo? é facto de se editar um livro que fala de bd do ponto de vista da reflexão pessoal, partindo do universo de um autor, aqui num papel um bocadinho diferente do habitual, de quem conhecemos vários trabalhos e uma certa vontade de indagar sobre as relações da bd com outras artes. Venham mais!

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