17.4.09

RECORTES



Victor Mesquita
Eternus 9 - O Filho do Cosmos
Gradiva

Quando a revista Visão surgiu nas bancas, em 1975, não podia adivinhar-se que a sua curta vida seria directamente proporcional ao impacto que teria na banda desenhada portuguesa, configurando-se como uma verdadeira revolução. Eternus 9 é uma das bandas desenhadas aí publicadas, sem que a história chegue a completar-se. Só em 1979 é publicado em álbum, com o selo da Meribérica-Liber, alcançando o mercado francês em 1983, pela Lombard, e sendo agora recuperado pela Gradiva.

Eternus 9 narra o processo de consciencialização da personagem homónima, chamada pelos sábios do planeta Kairos (em grego, o tempo divino) para encetar a descoberta do seu papel no Universo. Com o destino traçado pelo nome, que associa a eternidade ao retorno ao início marcado pelo último dos algarismos simples, o herói verá o seu percurso cruzar-se com o da humanidade ao renascer no corpo de um bebé, resultado de uma experiência científica destinada a travar os problemas ambientais que assolam a Terra.

A estruturação das pranchas obedece a lógicas que se afastam da simples sequencialização, tecendo ligações que se fundam nos elementos que Mesquita destaca no desenho. Os monumentais cenários, que alguma crítica classificou de ‘barrocos’, mas que, a remeterem para um estilo, se aproximam mais certeiramente do gótico, com a verticalidade e o novelo de arcos cruzados e ogivais a dominarem as volumetrias, definem a mise en pâge com longas vinhetas verticais que partem dos elementos arquitectónicos e às quais se sucedem vinhetas menores onde a narrativa prossegue. Para além destas linhas de força, um outro elemento define a estruturação: o conjunto de símbolos de que Mesquita se socorre para compor a epopeia de Eternus, quase sempre remissões para tradições religiosas, entre elas o cristianismo. O círculo e o triângulo, mas também o signum salomonis ou os pictogramas do zodíaco permitem a construção de pranchas de enorme impacto visual, como aquelas em que uma espiral regista a concepção de uma vida evoluindo, depois, para uma complexa sequência (tão afastada das convenções de leitura que obriga à numeração das vinhetas) que, lembrando um ‘jogo da glória’, culmina no domínio visual absoluto da criança que será Eternus, destacada no centro como se de um ecce homo se tratasse.

A aparição de Eternus 9 constituiu, sem dúvida, um marco de enorme relevância, não só pela inovação relativamente à produção nacional da época como, sobretudo, pela descendência que podemos deslindar, por exemplo, nas aventuras de Filipe Seems, de Nuno Artur Silva e António Jorge Gonçalves. Apesar disso, e sem desvalorizar o trabalho de Mesquita, importa que uma reedição como esta não seja apenas, como tantas vezes acontece na reflexão sobre a banda desenhada que se edita, o momento de um panegírico desinformado em torno de um livro que muito deve a toda uma tradição anterior, de Philippe Druillet a Nicolas Devil & Jean Rollin (Saga de Xam), passando por Stan Lee & Jac Kirby (Silver Surfer) e várias obras dos anos 60 e 70 fortemente marcadas pelo psicadelismo. A importância de Eternus 9 está mais na capacidade de dialogar abertamente com referências anteriores da banda desenhada, e nos ecos recuperados por autores futuros, do que na simples inovação que a sua publicação representou em Portugal. É a inteligência desse diálogo na criação de um universo original que faz de Eternus 9 um marco, e não o espanto algo provinciano pela aparição de um objecto estranho à época e ao lugar em que surgiu.

Sara Figueiredo Costa
(texto publicado na revista Ler, Março 09)

1 comentário:

Anónimo disse...

Sabiam que a WHO (agência de talentos criativos) deve milhares de euros a dezenas de agenciados e ex-agenciados, e que não lhes quer pagar? Existem muitos criativos a serem chantageados e mesmo ameaçados com queixas na PJ para os calarem.
Para além de vigarizarem os criativos, ainda têm o descaramento de fazerem verdadeiras campanhas de difamação sobre quem vigarizaram.
Muitos já iniciaram processos judiciais contra aquela agência.
Sejam solidários e divulguem a verdade para que justiça seja feita!